A JUSTIÇA EM TERMOS DE LIBERDADES INDIVIDUAIS E SEUS CORRELATOS SOCIAIS
Resumo do artigo: SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade, S. Paulo: Cia. das Letras, 2000.
Capítulo 3 – "Liberdade e os fundamentos da justiça"
Sen (2000) segue uma linha de raciocínio de que não adianta um modelo de desenvolvimento baseado na riqueza econômica se ele não for capaz de refletir na melhoria das condições de vida das pessoas. Segundo o autor, essas distorções apontam para um novo modelo de desenvolvimento, baseado na expansão das melhorias das condições de vida das pessoas.
Ele utiliza da análise das bases informacionais para a formação de juízos de avaliação, onde cada abordagem possui informações necessárias e também de informações excluídas – estas para não influenciar a formação de juízos. Convencionando, assim, três modelos que se apresentam de pronto para o modelo de Desenvolvimento e Justiça delineado por ele: 1) O utilitarismo, 2) O libertarismo e 3) O liberalismo de Rawls.
Segundo Jeremy Bentham, na forma clássica do utilitarismo, utilidade é definida como prazer, felicidade ou satisfação. O utilitarismo não se interessa pela distribuição das utilidades, mas na utilidade total de todos em conjunto.
Nas formas modernas do utilitarismo, a essência da utilidade não é vista como prazer, satisfação ou felicidade, mas como a satisfação de um desejo ou algum tipo de representação do comportamento de escolha de uma pessoa.
Os pressuspostos de uma avaliação utilitarista são: Consequencialismo: todas as escolhas (de ações, regras, instituições) devem ser julgadas por suas conseqüências, pelos resultados que geram; Welfarismo: o requisito é de que toda escolha deve ser julgada em conformidade com as respectivas utilidades que ela gera; Ranking pela soma: as utilidades de diferentes pessoas são simplesmente somadas conjuntamente para obtenção de um mérito agregado, sem levar em conta o grau de desigualdade na distribuição das utilidades;
Esses três componentes compõem a fórmula utilitarista clássica de julgar cada escolha a partir da soma total de utilidades geradas por meio dessa escolha. Deste modo, injustiça é definida como perda agregada de utilidade em comparação com o que poderia ser obtido.
As limitações do utilitarismo são dadas, segundo Sen(2000), da seguinte forma: indiferença distributiva, descaso com os direitos, liberdades e outras considerações desvinculadas da utilidade e certo condicionamento mental.
Pois, os destituídos tendem a conformar com sua privação pela pura necessidade de sobrevivência e, muitas vezes, não têm coragem de exigir alguma mudança. Assim, acabam ajustando seus desejos e expectativas ao que pode ser feito.
Já o libertarismo defende que as escolhas humanas não são nem casualmente determinadas nem aleatórias. É uma filosofia política de acordo com a qual o governo deve escolher políticas consideradas justas visando sempre maximizar o bem-estar da pessoa em pior situação na sociedade. Ele admite e busca uma maior igualdade formal de oportunidades, sendo que, para a sua concretização, há necessidade de se estabelecer o acesso dos cidadãos aos setores básicos de saúde, educação, infra-estrutura, saneamento, dentre outros.
Embora tenha a vantagem de garantir os direitos individuais ao máximo, o libertarismo não consegue de maneira satisfatória conciliar liberdade formal com liberdades substantivas. O exercício da liberdade individual por uma pessoa pode acarretar danos terríveis às liberdades substantivas de outras (como a fome e a miséria extrema) que não podem ser simplesmente negligenciadas.
Sen (2000) argumenta que a igualdade de resultados, oportunidades, enfim de direitos, deve ter prioridade absoluta frente ao desenvolvimento econômico, o que corrobora com Marshall (1988) que declara que tais princípios são necessários para o alcance da cidadania.
O libertarismo em contraste com a teoria utilitarista, não tem interesse direto na felicidade ou na satisfação de desejos, busca apenas que os cidadãos tenham direito ao básico necessário para a sobrevivência digna de qualquer pessoa.
A teoria da Justiça de John Rawls pressupõe a precedência política quase total sobre a promoção dos objetivos sociais (incluindo a eliminação da privação e da miséria), assumindo a forma de “restrições colaterais”. A questão não é a importância comparativa dos direitos, mas sua prioridade absoluta. Uma sociedade realmente justa para ele é aquela que funciona em favor dos destituídos.
Como alternativa ao utilitarismo, Rawls propõe que a sociedade e as suas instituições sejam organizadas de sorte não a propiciar felicidade ou satisfação ao maior número, mas sim a distribuição das vantagens sociais e econômicas.
Para Sen (2000) o contraste se dá com o grau no qual ter mais liberdade formal ou direitos aumenta a vantagem pessoal do indivíduo, sendo apenas parte do que está envolvido. Desta forma, afirma que a importância política dos direitos pode exceder imensamente o grau em que a vantagem pessoal dos detentores desses direitos é aumentada pelo fato de tê-los.
A correção das injustiças sociais, por conseguinte, somente poderia advir da prática de uma política visando à equidade, claramente localizada e pontual. Não de uma revolução social.
Se verificado qual o setor social menos favorecido (em razão da raça, sexo, cultura ou religião), mecanismos legislativos compensatórios entrariam em ação para buscar reparar, pela lei e com o consentimento geral, as injustiças cometidas. É certo que isso requer a suspensão temporária dos direitos de todos os demais, especialmente dos bem sucedidos, mas a equidade deve ser, antes de tudo, reivindicada no tribunal da consciência e não nos tribunais comuns.
A sociedade num todo avançaria então gradativamente identificando as correções sociais a serem feitas, agindo cirurgicamente no sentido de superá-las pela lei, indo em direção de uma igualdade mais justa possível a ser alcançada dentro das normas de uma democracia liberal moderna.
Aparentemente ele descarta a possibilidade de haver uma distribuição dos bens igual para todos. Rawls aposta mais na eficácia equidade para aparar os feitos negativos da desigualdade. Seja como for, a Teoria da Justiça serve hoje como inspiração para a maior parte dos reformadores sociais em atividade.
Ao afirmar que deve haver uma distribuição eqüitativa das liberdades (em sentido amplo), conceito para o qual é necessária a existência de direitos políticos (democracia), liberdades (liberdade de expressão, de mercado, de iniciativa etc.) e direitos sociais (educação, saúde, etc.), conceitos todos interrelacionados e interdependentes, eis que cada um é necessário à maior promoção dos demais, Sen não só afasta o suposto antagonismo entre liberdade e igualdade, mas indica meios para se obter um incremento das liberdades: investimentos públicos em educação, proteção dos direitos políticos e das liberdades públicas, transparência do poder público etc.
Entre os economistas, por igual, é comum a riqueza de uma sociedade, ou, mais especificamente, o seu grau de desenvolvimento, ser medido a partir da renda per capita, ou da renda auferida por cada cidadão, ou por cada família. Países subdesenvolvidos, nesse contexto, são aqueles nos quais a renda dos indivíduos é baixa, e sobretudo distribuída de forma fortemente desigual.
Amartya Sen alterou, substancialmente, a forma como as desigualdades são medidas, com reflexos inegáveis na avaliação dos instrumentos adequados à sua redução. Em vez de recorrer a bens primários, bem-estar ou renda, Sen propôs um julgamento a partir das liberdades. Afinal, renda, recursos ou bens primários, todos são meios para a consecução de um fim, que é o exercício da liberdade.
A liberdade consiste, para ele, na existência de meios para que o indivíduo desenvolva suas capacidades, abrangendo assim não só as liberdades de locomoção, de expressão e de mercado, mas o direito à vida, à integridade física, à saúde etc. Considera-se ser importante que todos tenham condições de exercer a liberdade, por preencherem as condições necessárias para fazerem escolhas.
A igualdade, portanto, no âmbito de uma justiça distributiva, deve ser buscada tomando como critério a “capacidade de cada sujeito para” - as palavras são de Sen - “converter ou transformar esses recursos em liberdades.
O autor procura demonstrar que as prioridades aceitas, muitas vezes implicitamente, nas diferentes abordagens da ética, economia do bem-estar e filosofia política, podem ser evidenciadas e analisadas identificando-se as informações que servem de base para juízos avaliatórios nas respectivas abordagens.
Sem(2000) analisa abordagens avaliatórias específicas como o utilitarismo, o libertarismo e a justiça rawlsiana, destacando méritos distintos em cada uma dessas estratégias bem estabelecidas, bem como as limitações com que cada uma sofre.
De forma construtiva, examina as implicações do enfoque direto nas liberdades substantivas dos indivíduos envolvidos, identificando uma abordagem geral que se concentra nas capacidades das pessoas fazerem coisas que elas têm razão para prezar e na sua liberdade para levar um tipo de vida que elas com razão valorizam.
Assim, a perspectiva baseada na liberdade pode levar em consideração o interesse do utilitarismo no bem-estar humano, o envolvimento do libertarismo com os processos de escolha e a liberdade de agir e o enfoque da teoria rawlsiana sobre a liberdade formal e sobre os recursos necessários para as liberdades substantivas.
Com isso, a abordagem da capacidade possui uma amplitude e sensibilidade que lhe conferem grande abrangência, permitindo atentar com finalidades avaliatórias para diversas considerações importantes, algumas das quais omitidas, de um modo ou de outro, nas abordagens alternativas. Para o autor, é a combinação de análise fundamental e uso pragmático que confere à abordagem da capacidade sua grande abrangência.
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